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10/10/2017

Os pontos obscuros da reforma trabalhista

Exame

A reforma trabalhista é criticada pela maioria das entidades sindicais, que veem nela sinais de fragilização das relações entre capital e trabalho

Promulgada em julho e já sancionada pelo Presidente Michel Temer, a lei nº 13.467, que altera vários pontos da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), passa a valer em 11 de novembro e traz várias modificações nas relações entre empregados e empregadores. Vista por muitos como um avanço, já que a CLT é de 1943, a reforma trabalhista é criticada pela maioria das entidades sindicais, que veem nela sinais de fragilização das relações entre capital e trabalho e perda de direitos dos trabalhadores.

A reforma permite acordos — que prevalecerão sobre a lei — individuais entre empregados e patrões, cria comissões de trabalhadores em empresas com mais de 200 funcionários (que podem negociar com as empresas sem a participação de sindicalistas), libera demissões da homologação pelo sindicato, cria garantias para o trabalhador terceirizado e acaba com a obrigatoriedade da contribuição sindical, hoje compulsória a todos. A reforma estabelece ainda duas novas modalidades de contratação: a de trabalho intermitente, por jornada ou hora de serviço, e também o teletrabalho (home office), regularizando modalidades já praticadas no mercado, mas que hoje não estão contempladas na CLT, como o trabalho autônomo.

Apesar dos benefícios, há ainda pontos obscuros, como ritos de processos trabalhistas, burocracias comuns na hora da demissão e as regras de funcionamento da comissão dos trabalhadores dentro das empresas. Um dos pontos que suscitam dúvidas também é sobre como ficarão os acordos coletivos firmados antes de novembro. Esses acordos continuam valendo até a sua data de vigência, afirmam os especialistas consultados por EXAME. “Tudo que foi firmado antes da reforma prevalece até a data de validade, quando novos acordos deverão ser firmados, aí sim com base nas novas regras”, afirma Ana Amélia Camargos, professora de direito do trabalho da PUC-SP e ex-presidente da Associação dos Advogados Trabalhistas de SP (AATSP). No caso de processos trabalhistas já em andamento, iniciados antes da reforma, o que é pleiteado pelo trabalhador continua sendo regido pelas regras anteriores à reforma. “Para processos iniciados a partir de 11 de novembro, o trabalhador pode pleitear algo com base nas regras antigas, apenas se o período trabalhado for anterior a essa data”, explica Ana.

Outro ponto é que as rescisões contratuais de funcionários com mais de um ano de casa não precisarão mais ser homologadas pelos sindicatos. Assim, a simples anotação na carteira será suficiente para requerer o seguro-desemprego e movimentar a conta do FGTS, caso o empregado tenha direito. “Não creio que haverá algum problema nesse trâmite, já que vai ficar bem mais simples. Acredito que a comunicação com a Caixa Econômica Federal será normal, como era antes”, opina Hélio Zylberstajn, professor da Faculdade de Economia da USP e coordenador do projeto Salariômetro, da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe).

Menos poder aos sindicatos

O texto prevê a eleição de representantes de trabalhadores para empresas com mais de 200 empregados, e os eleitos terão mandato de dois anos com direito a uma reeleição. Ana Amélia chama a atenção para o fato de que foi vedada a participação do sindicato na formação e na atuação dessas comissões. “Esses representantes podem ser demitidos sob algumas condições, diferente dos sindicalizados, e têm uma relação de maior dependência com a empresa. Acho que deveria haver uma participação maior do sindicato nesses grupos”, diz.

Hélio Zylberstajn pondera que o sindicato não pode participar da comissão formalmente, mas informalmente pode. “Esse é um aspecto que deveria ser melhor avaliado, para não haver o risco de cair no extremo oposto e formarem-se comissões tipo ‘chapa branca’ que representem somente os interesses da empresa.” É o que pensa João Carlos Gonçalves, o Juruna, Secretário-Geral da Força Sindical: “a participação do sindicato nessas comissões não poderia ser vetada, esse é um ponto da reforma que precisa ser melhorado”, defende.

A prevalência do negociado sobre o legislado, uma das principais mudanças trazidas pela reforma, é vista como um avanço, já que reforça o direito coletivo do trabalho. Mas a advogada Ana Amélia faz algumas ressalvas: “a contribuição sindical poderia ser extinta gradualmente, criando uma fase de transição para garantir a sobrevivência dos sindicatos, senão corremos o risco de essas entidades se enfraquecerem. Seria importante também acabar com a unicidade sindical, para o trabalhador ter liberdade de escolha”. Ela aponta ainda que a reforma está limitando um pouco a atuação da Justiça do Trabalho, que deveria ter mais autonomia para analisar o mérito das questões envolvidas nas negociações de acordos e convenções, como trocas e contrapartidas negociadas entre as partes.

O governo deve alterar alguns pontos da reforma ainda em outubro por meio de Medida Provisória, e entre eles está exatamente garantir a participação do sindicato nas negociações coletivas. A MP deve também alterar alguns detalhes sobre o trabalho intermitente, a jornada de 12 horas de trabalho por 36 de descanso, vetar o trabalho de gestantes em locais insalubres e proibir cláusulas de exclusividade em contratos de trabalhadores autônomos, entre outros pontos. “Além desses, acredito que o governo ainda pode alterar algo relacionado à contribuição sindical, porque a pressão das entidades está sendo muito forte”, opina o professor Hélio. O presidente Temer realizou um encontro com as centrais sindicais nesta semana sobre o assunto e prometeu uma solução também via MP em até quinze dias.

“Estamos em negociações com o governo para que a MP garanta algum tipo de contribuição cujo valor seria decidido em assembleia, com participação mínima de 10% dos funcionários da categoria”, afirma Juruna, da Força Sindical. Com isso, o desconto deve ser aplicado a todos os trabalhadores, independentemente de serem filiados ao sindicato. O que estava previsto inicialmente na reforma era que a contribuição só seria debitada de quem autorizasse o desconto.

Para Zylberstajn, essa é a primeira reação das entidades ao fim da obrigatoriedade da contribuição sindical, mas como a jurisprudência não permite criar contribuição compulsória, é provável que esse embate ainda tenha outros desdobramentos.

Na visão da CUT (Central Única dos Trabalhadores), que é contra a maioria dos pontos da reforma e chama o texto de “estatuto do empresário”, deveria ser garantida ao menos a participação do sindicato na formação das comissões de empregados. “A legislação diz que a empresa pode eleger representantes e formar comissões, mas seria importante que os sindicatos participassem da formação desses grupos, já que eles vão negociar os acordos coletivos que valerão para todos”, afirma João Cayres, dirigente da CUT Nacional e secretário-geral da CUT SP.

Outro ponto positivo é o disciplinamento dos processos trabalhistas, já que a reforma coíbe exageros cometidos na Justiça do Trabalho. Vale ressaltar que temos no Brasil 11 mil ações trabalhistas por dia, em média. Só em 2016, a Justiça do Trabalho recebeu mais de 3 milhões de novos processos. Para Zylberstajn, esse número deve cair, porque agora quem perde a ação paga os custos do advogado da outra parte. E isso só não valia na Justiça do Trabalho, então agora funcionários e advogados devem pensar duas vezes antes de entrar com um processo pleiteando uma lista imensa de itens. Além disso, agora o trabalhador terá que comparecer às audiências, e se faltar tem que arcar com os custos. “O mais importante é que a reforma traz uma mudança de modelo na relação entre patrões e empregados. E isso vai exigir que ambos os lados mudem de atitude”, opina Hélio.
Confira outras mudanças importantes da reforma:

Férias em até três vezes

As férias de 30 dias, que antes só podiam ser divididas em dois períodos, agora podem ser fracionadas em até três, desde que um deles seja de no mínimo 14 dias corridos e os demais de no mínimo 5 dias.

Jornada estendida

A jornada era limitada a 8 horas diárias, mas agora poderá ser de 12 com 36 de descanso. O limite de 44 horas semanais e 220 mensais permanece, com até 2 horas extras por dia. Além disso, não serão mais consideradas parte da jornada o tempo dedicado na empresa a estudo, alimentação, interação entre colegas, higiene pessoal e troca de uniforme. A MP do governo deve permitir a jornada de 12 x 36 somente por acordo ou convenção coletiva.

Descanso mais curto

O intervalo para descanso, que era de no mínimo uma hora para quem trabalha oito, poderá ser negociado, desde que tenha pelo menos 30 minutos.

Comissões não integram salários

Comissões, gratificações, percentagens, gorjetas e prêmios deixam de ser considerados parte do salário, o que impacta diretamente nos valores de benefícios como férias remuneradas, 13º, FGTS, seguro-desemprego e contribuições ao INSS. Para Hélio Zylberstajn, as empresas poderão até investir mais nesse tipo de remuneração, já que ela não vai mais compor o salário.

Transporte não conta

Hoje, o tempo gasto para ir e vir do trabalho em transporte da empresa, em locais de difícil acesso ou sem transporte público, é contabilizado como jornada de trabalho, mas deixará de ser com a reforma.

Trabalho intermitente

A legislação atual não contempla essa modalidade, mas agora o trabalhador poderá ser pago por período, recebendo por hora ou diária, e terá direito a férias, FGTS, previdência e 13º salário proporcionais. Quando estiver inativo, poderá prestar serviços a outras empresas. Este é outro ponto que o governo pretende alterar por meio de MP, estabelecendo uma quarentena de 18 meses entre a demissão de um funcionário e sua recontratação como terceiro.

Trabalho remoto

Outra modalidade não contemplada na legislação atual. O acordo deve ser formalizado via contrato, prevendo gastos com equipamentos, energia e internet, e o controle do trabalho será por tarefa.

Negociações

Hoje as convenções e acordos coletivos só podem definir condições de trabalho diferentes das previstas na lei se elas forem melhores do que o que está na legislação. Com a reforma, sindicatos e empresas poderão negociar condições não necessariamente melhores para os trabalhadores. Além disso, atualmente o que foi definido nos acordos e convenções coletivas integram os contratos individuais de trabalho, e só podem ser modificados por novas negociações coletivas. A partir de novembro, o que for negociado não precisará ser incorporado ao contrato de trabalho.

A MP deve restaurar a participação dos sindicatos nas negociações e garantir que as comissões de funcionários não substituam as funções dessas entidades.

Contribuição sindical

O desconto de um dia de trabalho deixa de ser obrigatório a todos os trabalhadores e passa a ser opcional. Contudo, a MP deve regulamentar algum outro tipo de contribuição, decidida em assembleia e compulsória a todos os trabalhadores.

Demissões negociadas

Hoje quem pede demissão ou é demitido por justa causa não tem direito à multa de 40% sobre o saldo do FGTS nem pode sacar o fundo. A empresa pode avisar o trabalhador sobre a demissão com 30 dias de antecedência (aviso prévio) ou pagar o salário referente ao mês sem que o funcionário trabalhe. Com a reforma, o contrato poderá ser rescindido de comum acordo, com pagamento de metade do aviso prévio e metade da multa de 40% sobre o saldo do FGTS. O empregado poderá também movimentar até 80% do valor depositado pela empresa na conta do FGTS, mas não terá direito ao seguro-desemprego.

Ações na justiça

Pelas regras atuais, o trabalhador pode faltar a até três audiências, os honorários das perícias são pagos pela União e quem entra com ação não arca com nenhum custo. Com a reforma, o trabalhador fica obrigado a comparecer às audiências e, caso perca a ação, paga os custos do processo. Haverá também punições para quem alterar a verdade dos fatos, usar o processo para objetivo ilegal ou gerar resistência injustificada ao andamento do processo.

Gravidez e insalubridade

Grávidas ou lactantes eram proibidas de trabalhar em lugares com condições insalubres. A reforma permitirá, desde que a empresa prove que não há risco ao bebê nem à mãe. Contudo, a MP deve restabelecer a proibição.

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